JUSTIÇA SUSPENDE PROCESSO PENAL POR PARCELAMENTO REALIZADO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

06/06/2022

É fato que os crimes contra a ordem tributária possuem um tratamento diferenciado pela política criminal adotada pelo Estado de Direito no Brasil quando se comparado aos demais delitos, sobretudo no que tange às hipóteses de suspensão e extinção da punibilidade previstas em lei que se relacionam, diretamente, à reparação do dano ao erário, isto é, ao parcelamento ou a quitação do crédito tributário.


Em delitos patrimoniais em geral, praticados com ou sem violência, assim como em outros crimes contra a administração pública em geral, não se conhece qualquer benefício ao acusado quando este procede a reparação do dano diferente da diminuição da pena pela aplicação do artigo 16 do Código Penal (arrependimento posterior) ou, ainda, no caso do furto simples a substituição por pena de multa, ou seja, não há qualquer efeito relacionado à extinção da punibilidade propriamente.


Desde a edição da atual legislação que prescreve os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica (Lei n. 8.137/90) já havia previsão de hipótese de extinção da punibilidade por meio do pagamento consignada no artigo 14, o qual fora posteriormente revogado pelo artigo 98 da Lei n. 8.383/95, e, ao longo dos anos, houveram sucessivas alterações legislativas a respeito da extinção e da suspensão da pretensão punitiva estatal em virtude do parcelamento e quitação do débito, inclusive alterando o momento em que tais circunstâncias deveriam ocorrer para que surtissem os efeitos sobre o jus puniendi.


Embora ainda não haja julgamento em regime representativo de controvérsia para sedimentar o entendimento sobre o tema, há pelo menos duas normas que regulamentam a matéria, sendo a mais recente o art. 83, § 2º, da Lei n. 9.430/96, editado pela Lei n. 12.382/11, estabelecendo que somente suspende o curso processual penal o parcelamento realizado “antes do recebimento da denúncia”, bem como há previsão no art. 9º, caput e § 2º, da Lei n. 10.684/03, a qual não estabelece qualquer limite temporal para que o parcelamento surta efeitos sobre a punibilidade.


Assim, a questão poderia ser dirimida com base no critério da preponderância da lei mais recente sobre a mais antiga, nos termos do art. 2º, § 1º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657/1942), porém, o debate se transfere, em verdade, sobre quando há o efetivo recebimento da denúncia, visto que o Código de Processo Penal prevê dois momentos distintos, sendo o primeiro na oportunidade em que o juiz avalia a peça inaugural apresentada pelo órgão acusador (art. 396 do CPP) e um segundo momento após a apresentação da resposta à acusação pela defesa (art. 399 do CPP), em que o Magistrado pode confirmar, ou não, o prosseguimento do trâmite processual.


Recentemente, o Egrégio Tribunal Regional da 3ª Região1 admitiu o segundo momento referido acima como o termo limite para que haja suspensão da punibilidade com o parcelamento do débito fiscal, ou seja, até o Juiz decidir se recebe a denúncia após a apresentação da resposta à acusação pela defesa, com base no raciocínio de que a dúvida na interpretação da lei sempre deve favorecer ao réu, aplicando o princípio do favor rei.


No entanto, para além deste debate, há de se indagar se realmente haveria interesse processual de agir para a acusação, no caso de realização do parcelamento durante o curso do processo penal, independentemente se antes ou depois da denúncia, tendo em vista que, diante da referida hipótese de suspensão da exigibilidade, pois, cumpridas todas as prestações, ter-se-á a extinção da pretensão punitiva, com base no art. 83, § 4º, da Lei n. 9430/96, sendo válido recordar que o atual posicionamento do c. STF2 e do c. STJ3 é no sentido de que a quitação do crédito extingue a punibilidade a qualquer momento, até mesmo após o trânsito em julgado da condenação.


Com base neste raciocínio jurídico, impetramos habeas corpus nº 2275448-29.2021.8.26.0000 perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo sido concedida a ordem para fins de suspender o processo penal pelo período que perdurar o parcelamento da dívida fiscal vinculada ao feito principal, haja vista a “perda superveniente do interesse processual de agir nos quesitos necessidade/utilidade da ação penal”, conforme trecho extraído do voto do Relator Dr. Heitor D. de Oliveira da 12ª Câmara Criminal, visto que no caso concreto o parcelamento havia sido firmado antes da análise da resposta à acusação, considerada como o segundo momento do recebimento da denúncia pelo CPP.


Portanto, a depender da casuística, é possível que o parcelamento do débito fiscal suspenda o curso do processo penal em crimes contra a ordem tributária, independentemente do momento em que ocorra, mas desde que demonstrada a boa-fé mediante apresentação de interesse em cumprir integralmente todas prestações, isto é, sem que haja sucessivos rompimentos com posterior inclusão em programas de parcelamento, de modo a indicar a manutenção da suspensão da exigibilidade do crédito, a qual acaba por suprimir, ainda que temporariamente, o interesse processual da ação penal, que não terá sua finalidade atingida com a ulterior quitação integral do débito, extinguindo a punibilidade, nos termos do art. 83, § 4º, da Lei n. 9.430/96.


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Por Caio Alexandre Rosseto de Araujo


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1 TRF 3, HC 5004647-30.2020.4.03.0000. Relator Des. Fed. Maurício Kato. Quinta Turma. DJE 15.06.2020.


2 AP 450, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 18/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 10-02-2015, PUBLIC 11-02-2015.


3 HC 362.478/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 20/09/2017.