A PARCELA DO ICMS A SER EXCLUÍDA DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO AO PIS E DA COFINS É O DESTACADO

19/11/2020

Por Nasser Nasbine Rabeh

A contribuição ao Programa de Integração Social – PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS detêm o fundamento constitucional instituidor nos artigos 195, inciso I e 239, da Constituição Federal. A Lei nº 10.637/02 e a Lei nº 10.833/03, por sua vez, ratificaram a receita bruta como base de cálculo, bem como instituíram a não cumulatividade das exações, nos artigos 1º e 3º, de cada diploma legal, respectivamente.

Durante anos pairou sob o Judiciário a controvérsia no sentido da inconstitucionalidade da inclusão do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS (receita bruta). Entretanto, em março de 2017, o STF apreciou o mérito do Recurso Extraordinário – RE nº 574.706/PR, em sede de repercussão geral (tema nº 69), ou seja, cuja aplicação é vinculante, em todas as instâncias judiciais do país, assentando a compreensão da inconstitucionalidade da inclusão do tributo estadual na base de cálculo das contribuições federais em comento, por não consistir em receita do contribuinte.

O referido recurso extraordinário ainda pende de trânsito em julgado, em virtude da oposição de embargos de declaração, pela União, entretanto, atualmente, tem-se como concluída a análise do mérito, com a fixação da tese de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”.

Ocorre que, após o julgamento, mediante a Instrução Normativa nº 1.911, da 11 de outubro de 2019, a Receita Federal do Brasil, por meio do artigo 27, inciso I, determinou que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal das contribuições é o valor mensal do ICMS a recolher”. Entretanto, na oportunidade do julgamento do RE nº 574.706/PR, o STF orientou-se no sentido de que “o montante de ICMS destacados nas notas fiscais não constituem receita ou faturamento”.

Assim, iniciou-se controvérsia acerca da parcela efetiva do ICMS que deveria ser excluída da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS. Isso porque, o montante de ICMS efetivamente pago pelos contribuintes, muitas vezes, não condiz com aquele destacado nas notas fiscais de venda e/ou prestação de serviços, em razão do princípio da não-cumulatividade do tributo estadual, insculpido no artigo 155, §2º, inciso I, da Constituição Federal.

O princípio da não-cumulatividade do ICMS estabelece que o contribuinte pode se creditar do imposto cobrado na operação anterior, para fins de compensar o imposto devido na saída da mercadoria ou prestação de serviço. Assim, na visão da Receita Federal, o ICMS a ser excluído da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS deveria condizer, efetivamente, com a diferença entre os créditos e os débitos de ICMS apurados.

A orientação da Receita Federal, em verdade, deturpa a análise jurídica efetuada pelo STF, na medida em que a Corte balizou a compreensão na extensão do conceito de receita bruta, para fins de composição da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, e não no efeito financeiro do ICMS, em si. No caso, compreendeu-se que o tributo estadual não compõe e nunca irá compor receita própria do contribuinte, mas sim do Estado.

Nessa linha, Roque Antônio Carrazza (2012), explana que “a integração do valor do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS traz como inaceitável consequência que contribuintes passem a calcular as exações sobre receitas que não lhes pertencem, mas ao Estado-membro (ou ao Distrito Federal) onde se deu a operação mercantil e que tem competência para instituí-lo”.

A análise é de suma importância para a correta compreensão da extensão do julgado (RE nº 574.706/PR), bem como da eficácia desta, em relação aos contribuintes. À evidência, diante da sistemática de apuração do ICMS, em especial da não-cumulatividade, existem situações nas quais os contribuintes poderão aferir saldo credor do imposto, em sua apuração mensal, por força de aquisições de mercadorias, realizadas em determinados períodos, em quantidade maior do que as saídas realizadas no período de apuração.

Assim, na ótica da Receita Federal do Brasil, o contribuinte que mantiver saldo credor de ICMS, ou seja, que não apurar ICMS a pagar, não poderá se valer da exclusão da parcela (de ICMS) incidente nas operações de venda e/ou prestação de serviços da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

Ocorre que o não recolhimento do imposto (por manter saldo credor) em nada afeta o dever de destacar o ICMS nas saídas de mercadorias, bem como o direito de o adquirente dessas mercadorias se apropriar do imposto (ICMS) destacado, na apuração do próprio imposto a pagar, independentemente do prévio recolhimento, na etapa anterior.

O montante efetivamente recolhido, a título de ICMS, em cada competência, consiste, apenas, no resultado do balanço entre os créditos e débitos apurados, de forma que não pode ser utilizado como critério para aferição do montante do imposto estadual efetivamente incidente sobre as operações da empresa, ou seja, aquele destacado na documentação fiscal.

Neste ponto, é importante trazer à reflexão que a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), instituidora do ICMS, em especial na norma extraída do artigo 13, §1º, inciso I, no sentido de que integra a base de cálculo do imposto “o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle”. Assim, a conclusão a que se chega é no sentido de que o ICMS destacado está, de fato e por determinação legal, embutido no preço.

É importante esclarecer a aparente contradição no sentido da orientação anteriormente exposta, de que o tributo estadual não compõe receita própria do contribuinte, mas sim do Estado e, agora, a orientação no sentido de que o ICMS destacado está embutido no preço.

O que se discute é, apenas e tão somente, o conceito de receita bruta, para fins de composição da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, ou seja, responder, efetivamente, qual a parcela de ICMS encontra-se na base de cálculo, o destacado ou o pago? Em resposta, o ICMS que, efetivamente, compõe a base de cálculo das exações federais é o destacado, pois compõe o preço final de venda e/ou prestação de serviço, diante da sistemática de apuração do tributo estadual, conhecida como “cálculo por dentro”.

Ou seja, em arremate, o contribuinte que mantém saldo credor de ICMS, pela mera sujeição passiva, nas operações de saída de mercadorias e/ou prestação de serviços, inclui o tributo estadual destacado nas notas fiscais no preço final e, por conseguinte, paga contribuição ao PIS e a COFINS sobre o ICMS, ou seja, paga tributo incidente sobre tributo e não sobre receita.

Assim como inúmeras controvérsias no campo do direito tributário, é de suma importância, para a correta orientação, balizar a compreensão do Ente tributante, no caso, a União, representada pela Receita Federal.
Atualmente, em especial pela edição da Instrução Normativa 1.911/2019, não se mostra suficientemente segura a orientação para exclusão do ICMS destacado nas notas fiscais da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.

No entanto, inúmeros julgados , tanto dos Tribunais Regionais Federais, como do próprio STF, já sinalizaram a correta extensão da tese firmada no RE nº 574.706/PR, no sentido de que a parcela a ser excluída é a destacada nas notas fiscais, e não o ICMS efetivamente pago no período de apuração. Assim, considerando a gestão de riscos, é aconselhável a judicialização da discussão, a fim de obter comando judicial apto a assegurar a correta apuração das contribuições federais em referência, bem como eventual apuração do saldo credor a compensar ou restituir.


REFERÊNCIAS

- CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 666-667;
- Recurso Extraordinário nº 576.706/PR, acórdão publicado em 02/10/2017;
- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
- Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002;
- Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003;
- Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996;
- Instrução Normativa nº 1.911, da 11 de outubro de 2019.
- STF-RE 954262, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, data de julgamento 20/08/2018;
- TRF3 – AC 5002424-78.2018.4.03.6110, Rel. Des. Fed. Luiz Alberto de Souza Ribeiro, Sexta Turma, julgado em 27/04/2020, publicado em 29/04/2020;
- TRF3 - AC 5004408-43.2018.4.03.6128, Rel. Des. Fed. Marcelo Mesquita Saraiva, Quarta Turma, julgado em 04/03/2020, publicado em 06/03/2020;
- TRF3 – AC 5002140-37.2017.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Leila Paiva Morrison, julgado em 16/04/2020, publicado em 24/04/2020.